Quando eu dizia, há dois anos atrás, que vinha morar em Bari, muitos perguntavam
espantados: "- Em Bali?! Por que tão longe?", ou então: "Bari...
Bariloche?". Não bastava dizer somente Bari, tinha que dar as coordenadas
geográficas: sul da Itália, no salto da bota, às margens do mar Adriático, com
vista pra Grécia e pra Albânia, só assim ia situando um pouco as pessoas. Hoje
estou aqui, em Bari, capital da Puglia, e finalmente decidi contar parte dessa
aventura. Este blog vai ser uma espécie de colcha de retalhos, se eu tiver tempo
pretendo falar de tudo que gosto e me interesso, mas quero principalmente falar
desta terra fantástica. Bem-vindos!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

11 - FEDERICO II FOI O CARA! OU MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA

Assim como a figura de San Nicola está profundamente ligada a Bari, a de Federico II está unida a toda a Puglia.
Ele foi realmente o cara!  Conhecido pelo apelido de stupor mundi, a maravilha do mundo, fez do seu reino um lugar de encontro entre as culturas grega, latina, árabe e hebraica. Foi um rei intelectual que falava nove idiomas, estudava filosofia, astrologia, matemática, medicina e ciências naturais. Criou em Nápoles, em 1225, a primeira Universidade pública e laica do Ocidente. Todo o sul da Itália tem herança dos tempos de Federico II,  que reinou na Idade Média, foi coroado rei no ano 1198, com apenas 4 anos de idade, e reinou até sua morte em 1250. Se chamava Federico Ruggero Hohenstaufen, descendia pelo lado paterno da nobre família sveva dos Hohenstaufen, e pelo lado materno descendia da dinastia normanna dos Altavilla que reinavam na Sicília.

O nascimento de Federico II é uma história que me impressionou desde a primeira vez que a li.
Conta-se que a mãe de Federico, a imperatriz Constanza D’Altavilla, filha do rei da Sicília, Ruggero II, passava pela cidade de Jesi, na região do Marche, dirigindo-se a Palermo pra encontrar o marido, Enrico VI, que havia sido coroado rei no dia anterior, dia de Natal. A gravidez de Constanza era motivo de desconfiança por parte da população, já que a imperatriz tinha uma idade avançada, assim, foi montado uma espécie de coreto no centro da praça de Jesi e a imperatriz foi obrigada a dar à luz publicamente,  única forma de mostrar ao povo que aquele que nascia era realmente o herdeiro do trono. Como se diz em italiano, povera donna!, traumatizada pro resto dos seus dias.

Federico ficou órfão aos quatro anos, e já coroado rei da Sicília, ficou sob a tutela do papa Inocêncio III. Em 1212 foi coroado rei da Alemanha e Imperador do Sacro Romano Império,  e em 1225, rei de Jerusalém. Pelos seus títulos é possível entender a extensão dos seus domínios.  Mas foi a Puglia que Federico escolheu para viver a maior parte da sua vida. Amado e odiado, aqui deixou além de castelos,  tantas histórias e tantas lendas. 
Amanhã conto mais sobre ele, e mostro a sua mais bela obra arquitetônica na Puglia.

Retrato de Federico II com um falcão, que ilustrava o livro escrito por ele sobre a arte da falconeria, era um apaixonado pela caça com falcão.
O reino da Sicilia na época de Federico II. Envolvia as atuais regiões Sicilia, Calabria, Campania, Basilicata, Molise, Abruzzo e Puglia. O mapa mostra todos os domínios de Federico II na Europa.
Este é o Castelo Normanno-Svevo de Bari. Se chama assim porque primeiramente foi construído pelo rei normanno Ruggero II, depois de sofrer uma destruição, foi reconstruído por Federico II, rei svevo. (foto: web - sem autor)
O Castelo Svevo de Bari é museu e abriga exposições temporárias. Está melhor conservado externa do que internamente. O preço da entrada é de 2 euros. A entrada é gratuita para professores e pessoas com mais de 65 anos. Aqui uma foto do castelo durante a exposição sobre o translado do corpo de San Nicola a Bari.
Castelo Svevo da cidade de Trani, na província pugliese de Barletta-Andria-Trani.

Castelo Svevo da cidade de Barletta, na província de Barletta-Andria-Trani. (foto:web - sem autor)

Neste mapa, que mostra todas as regiões da Itália, é possível ver a região do Marche, perto da Umbria, onde nasceu Federico II.

Entardecer no Castelo Svevo de Trani

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

10 - PUGLIA - UM POUCO DE HISTÓRIA

Meus conhecimentos sobre a história da Itália sempre se limitaram ao Império Romano, ao Renascimento, à Unificação (acho que por causa do Garibaldi), e à participação da Itália na Segunda Guerra Mundial.  Nunca fui além daquilo que estudei no colégio.  Quando vim pra Puglia comecei a ouvir dezenas de nomes e referências completamente desconhecidos pra mim.  No centro de Bari, por exemplo, se encontra o Castelo Normanno-Svevo, de Federico II.  - E quem é o tal Federico II? perguntei. –Ma come? Non sai?!!! Então, pra evitar caras de espanto, e como sou muuuiiito curiosa decidi começar a estudar um pouco a história da região, história que também se confunde com outras partes do sul da Itália. Descobri que a quantidade de informação é interminável!  Mas não se preocupem, pois não pretendo aprofundar, até porque não sou professora de história, e nem este é um blog sobre o assunto. Mas acho que um mínimo de conhecimento não faz mal a ninguém, não é mesmo?

A formação da Puglia, assim como a de toda a Europa, é o resultado da mistura de povos que invadiram este território e deixaram vestígios por todas as partes. Os primeiros que desembarcaram na Puglia foram os Iapigi ou Japigi, provenientes do outro lado do Adriático, mais ou menos onde hoje é a Albânia e Montenegro, deu pra se localizar?  Isto aconteceu há uns dois mil anos a. C. Este povo misturou-se aos “nativos” da região e deram origem a outros três grupos étnicos: os dauni, os peucezi  e os messapi. Respectivamente os dauni ocuparam a parte da Puglia que hoje é a província de Foggia, os peceuzi, a parte que hoje envolve as províncias de Bari e Barletta-Andria-Trani, e os messapi a parte sul, chamada Salento, uma sub-região geográfica onde se encontram as províncias de Lecce, Brindisi e Taranto.   Aí está o mapa pra ajudar!

O nome Puglia vem do povo Iapigi, que os romanos em latim chamaram de Apuli, e a região, consequentemente, Apulia.  Em português o nome se manteve como em latim, e em italiano passou a ser Puglia. Mas continuando nossa historinha, a partir do século VIII a. C. chegaram os gregos e se estabeleceram na região do Salento, principalmente onde hoje é a província de Taranto, e fundaram ali, em 706 a.C. um importante porto comercial. Essa parte da Puglia era e ainda é chamada Magna Grecia. Algumas cidadezinhas ainda conservam dialetos que têm origem no grego antigo.

Os romanos conquistaram a região em 260 a.C., e um dos seus grandes objetivos foi dominar o porto de Brindisi, um importante caminho pra conquista romana dos balcãs e da Grécia. A Puglia foi uma região muito estratégica pra expansão do Império Romano, tanto que a famosa via Appia que começava em Roma vinha até Brindisi.





                             Em branco o traçado da Via Appia, e em rosa a Via Trajana, que passava por Bari.


Após a queda do Império Romano do Ocidente em 470 d.C. (restando apenas o Império do Oriente que tinha Constantinopla como capital) a Puglia foi invadida por bizantinos, bárbaros e árabes.  Em 870 d.C. Bari foi totalmente conquistada pelos bizantinos e se transformou no maior centro político, militar e comercial do Império Romano do Oriente, na Itália, é o período em que trouxeram o corpo de San Nicola pra Bari, lembram do post anterior? Enquanto isso Taranto tinha sido dominada pelos árabes que ali haviam instituído um emirado.  Em 1070 d.C. dois povos bárbaros, os longobardi (estabelecidos no norte da atual Alemanha) e os  normanni (bárbaros escandinavos), venceram os bizantinos, mandaram os árabes pra casa, e se apoderaram da Puglia.  Após a queda dos normanni , por volta de 1200 d.C. a Puglia passa ao domínio dos svevi, outro povo bárbaro germânico que habitava o sul da atual Alemanha, onde se encontra o estado da Baviera.  Os svevi  trouxeram à região um grande crescimento e esplendor artístico e cultural através do imperador Federico II.  Taí! Depois desse micro-resumo histórico, que nem doeu, né? Chegamos no grande Federico II, e ele é o assunto de amanhã.
A dopo!




Sítio arqueológico de Egnazia, na província de Brindisi, são restos da civilização Messápica.

Escultura em mármore do séc.IV a.C., obra da civilização daunia. (Foto by Maredentro)

Ruínas do anfiteatro romano no centro da cidade de Lecce, na região do Salento, sul da Puglia.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

09 - BARI E O PAPAI NOEL

O Natal está quase chegando e desta vez  me sinto na obrigação de contar pra vocês a verdade sobre Papai Noel. Passei a minha vida pensando que o Papai Noel morava na Lapônia ou em qualquer lugar perto do Polo Norte, e não é que foi preciso vir morar em Bari pra descubrir que moro na mesma cidade do Bom Velhinho?! Ho Ho Ho!  Mas vejam se eu não tenho razão? O Papai Noel nasceu da figura holandesa de Sinterklass, ou Santa Claus, assim chamado ainda hoje em muitos países do norte da Europa e nos Estados Unidos, personagem fantástico de barba branca que veste roupa vermelha semelhante a de um bispo. Pois bem, por sua vez, este personagem deriva de São Nicolau, bispo da cidade de Mira, na atual Turquia, que viveu aproximadamente entre os anos 270 e 343. As histórias sobre sua vida são muito imprecisas, porém conta-se que nasceu em uma família rica e ficou órfão muito cedo herdando uma certa fortuna que usou em obras de caridade, ajudando principalmente as crianças pobres. Uma das famosas histórias atribuídas a ele é a de ter salvo da prostituição três filhas de um homem que não podia pagar o dote do casamento,  jogando três sacos de moedas de ouro através da janela em três noites consecutivas, fazendo com que as  filhas tivessem o dote para casar-se.  Também em uma oportunidade parou uma tempestade salvando a todos os marinheiros que estavam num barco.  São muitas as lendas a seu respeito, que acabaram associando a sua imagem à ajuda às crianças e à distribuição de presentes. Mais tarde virou o protetor das crianças, dos marinheiros e das moças solteiras. Sua fama e culto espalharam-se rapidamente por todo o Mediterrâneo oriental: Turquia, Grécia, países eslavos e sul da Itália, e é aí que Bari entra na nossa história.    Naquele período Bari estava sob o domínio bizantino, era uma cidade com um importante porto comercial que rivalizava com Veneza.  Em 1087 a cidade de Mira onde estava enterrado São Nicolau foi invadida pelos muçulmanos, imediatamente duas expedições partiram ao mesmo tempo, uma de Veneza e a outra de Bari, com o objetivo de salvar os ossos do santo das mãos dos “infiéis”. A expedição que levava 62 marinheiros bareses chegou primeiro  e voltou à Bari trazendo as relíquias do santo, a partir de agora, em italiano, San Nicola (com a sílaba tônica em “co”).  Dois anos depois o corpo do santo foi colocado na cripta da Basílica construída em sua homenagem. Desde então San Nicola foi declarado patrono de Bari e o dia 6 de dezembro (data da sua morte), e 9 de maio (data da chegada do corpo à Bari) foram declarados dias festivos.  Rapidamente Bari virou cidade de peregrinação e de união religiosa entre oriente e ocidente, pois San Nicola é venerado pela igreja católica e pela igreja ortodoxa. Bari passou a receber anualmente milhares de peregrinos que vêm até aqui prestar devoção ao santo. A figura de San Nicola e a cidade de Bari se fundiram, e hoje uma não vive sem a outra, Bari é impensável sem San Nicola, a sua presença está em todas as partes da cidade e no cotidiano dos bareses, e San Nicola ganhou a cidadania barese passando a chamar-se oficialmente San Nicola di Bari, e se San Nicola é de Bari, o Papai Noel também é!
San Nicola tem uma enorme iconografia, isto é, sua imagem é representada de muitas maneiras. Aqui temos à direita uma das imagens da igreja ortodoxa, ao centro San Nicola representado com as três bolas de ouro que se referem aos três sacos de moedas de ouro dado às irmãs que não tinham o dote para casar, à esquerda acima San Nicola com as crianças, e abaixo uma representação que mistura San Nicola e Santa Claus.

A Basílica de San Nicola, construída entre 1089 e 1197, fica no coração de Bari Vecchia, a poucos metros do mar, e é uma das grandes construções do estilo românico pugliese. (Foto:web)

Altar da Basílica

A cripta da Basílica, onde está San Nicola. Aos domingos se realiza aqui a missa ortodoxa. É a única igreja no mundo em que os dois cultos, católico e ortodoxo, convivem.

San Nicola levado em procissão no dia 9 de maio.